sábado, 28 de março de 2009

Tutorial Elaboração de um projeto de pesquisa

Como elaborar seu Projeto de Pesquisa












O objetivo maior do Mestrado é demonstrar que o aluno possui:

* Conhecimento sobre a bibliografia geral da área de concentração;

* Conhecimento da bibliografia específica do tema da pesquisa selecionada;

* Capacidade de descobrir, selecionar, discutir e criticar os dados mais importantes das bibliografias estudadas;

* Capacidade de reorganizar, de forma coerente, os dados utilizados;

* Aptidão para expor com clareza o "estado da arte" do seu campo de pesquisa;

Para produzir em 30 meses uma boa Dissertação de Mestrado é fundamental que seu Projeto de Pesquisa seja redigido em 6 meses. O problema é que você talvez nem saiba o que é um projeto de pesquisa científica. É provável que seus estudos anteriores e sua vida profissional nunca o tenham obrigado a apresentar um projeto desse tipo. Talvez você nunca tenha se deparado com um bom projeto de investigação. Não se trata de nenhum bicho de sete cabeças, mas é uma tarefa que exige muita dedicação. Quando ele estiver pronto, você perceberá que contém, no máximo, 1% de inspiração e, no mínimo, 99% de concentração.


Por isso, este texto tem três objetivos básicos:

* ajudá-lo a entender o que é um projeto de pesquisa científica;

* ajudá-lo a avaliar a distância que o separa de seu futuro Projeto de Pesquisa;

* ajudá-lo a descobrir a melhor maneira de encurtar essa distância.
1. Os ingredientes básicos

Um projeto de pesquisa contém, no mínimo, dez componentes, dos quais os quatro que estão em negrito são os mais árduos:

- título;
- delimitação do assunto (tema);
- objetivos;
- justificativa;
- revisão da produção científica já acumulada sobre o tema;
- formulação do problema;
- hipótese(s);
- descrição dos procedimentos;
- cronograma de execução
- bibliografia
2. A delimitação do assunto (tema)

O que está em jogo, aqui, é, antes de tudo, a própria viabilidade da pesquisa. Sua pretensão inicial precisa ser pragmaticamente reduzida a dimensões adequadas a dois anos de trabalho "solitário" de um bolsista com pouca (ou nenhuma) experência de pesquisa. A preocupação geral que o levou a escolher uma determinada temática da "Ciência Ambiental" pode ser mantida, mas você terá que circunscrever um aspecto bem menos abrangente para que possa elaborar seu Projeto de Pesquisa.

Como não há escassez de assuntos a serem pesquisados - sobretudo no amplo leque de desafios colocados pela problemática ambiental - a decisão pode envolver muitas dificuldades. Mais do que em outras áreas do conhecimento, haverá tendência a se enfrentar questões muito abrangentes, de difícil enquadramento numa pesquisa individual no âmbito de um Mestrado. E a redução de uma questão ampla a um bom assunto de pesquisa pode ser muito angustiante, sobretudo para quem tem ambição holística (como é bem provável que seja o seu caso).

Você já fez uma seleção. Ela resultou de algum interesse particular ou profissional, prático ou teórico, antigo ou simplesmente instigado por suas últimas leituras. Seja qual for o caso, é bom que algumas coisas fiquem bem claras desde já:

- o assunto deve corresponder ao seu gosto e, portanto, proporcionar-lhe uma experiência psicologicamente gratificante, além, é claro, de contribuir para o avanço da “Ciência Ambiental”;

- o assunto deve ser bem adequado, tanto à sua formação, quanto ao tempo, recursos e energia que você poderá consagrar a essa pesquisa;

- o assunto deve estar suficientemente documentado. Isto é, o material bibliográfico pertinente deve ser suficiente, facilmente identificável, disponível, acessível, e, sobretudo, deve permitir uma rápida "varredura";

Não existe qualquer receita que permita a delimitação do assunto (tema). No máximo, pode-se aconselhar a fixação de limites, particularmente de tempo e espaço, isto é, a indicação do âmbito histórico e geográfico que envolve o tema. As outras possibilidades de decomposição de uma temática mais ampla em diversos tópicos de pesquisa dependerão de uma discussão mais aprofundada com pessoas mais experientes, a começar, evidentemente, por seu orientador. Quase sempre é necessário ampliar ou aprofundar suas leituras anteriores sobre o assunto para que os critérios de "corte" comecem a aparecer.



Vamos ver se um exemplo hipotético ajuda a esclarecer esta questão.


Suponha que o assunto de seu interesse fosse, por exemplo, "as implicações ambientais da biotecnologia". Uma boa medida seria logo "baixar a bola", reduzindo o escopo aos possíveis efeitos imediatos da liberação de um produto biotecnológico específico sobre um determinado ecossistema. Delimitar, de fato, poderia ser, por exemplo, propor um "estudo de caso" (pesquisa descritiva), ou relatar algum "teste" (pesquisa experimental), se o acesso fosse possível.

Todavia, tendo presente as características de uma Dissertação de Mestrado do PROCAM, o mais indicado - e mais prudente - seria escolher um produto específico (p.ex: alguma "frankenfood", como o tomate da Calgene) e organizar uma boa exposição sobre esse tema, com base nas fontes secundárias (pesquisa bibliográfica), entrevistas com especialistas, e eventuais consultas a outras fontes primárias. Essa exposição deveria ser do tipo descrição analítica, centrada numa comparação dos argumentos das correntes favoráveis e opostas à liberação do produto no ambiente.


Como esse exemplo sugere, a delimitação do assunto - ou escolha do tema específico do projeto de pesquisa - pode esbarrar numa tendência (muito recorrente entre mestrandos) de se optar por temas que, por sua extensão e complexidade, não permitem a profundidade.

Também é muito comum que o candidato a pesquisador resista à necessária delimitação, por considerá-la menos importante, muito despretenciosa, ou desestimulante. Nesse caso, é bem provável que perderá muito tempo até se convencer que sua opção original era genérica demais para resultar numa boa dissertação no prazo de 30 meses.
3. A "revisão de literatura"

Para delimitar o assunto, o processo de revisão de literatura já foi forçosamente iniciado. A diferença é que, neste tópico do projeto de pesquisa, deve aparecer uma revisão mais articulada e bem concentrada no tema específico que acabou sendo retido. Ou seja, se esse tema for "o tomate da Calgene", de pouco servirá a revisão mais geral de literatura que deve ser sido feita sobre a biotecnologia em geral. Neste ítem do projeto, a maior importância estará na comparação de documentos científicos (artigos, comunicações, entrevistas, etc) sobre o tema específico. E essa comparação deve ser organizada de tal forma que a posterior formulação do problema seja sua decorrência lógica. Em outras palavras, não se trata de fazer uma "colcha de retalhos", emendando citações dos documentos consultados, mas sim de articular idéias que conduzam à formulação do problema; idéias estas que deverão estar apoiadas nas referências científicas citadas.

A pesquisa bibliográfica sobre a qual se constrói este tópico do projeto de pesquisa não pode deixar de lado nenhuma obra importante sobre o tema específico. Mas é impossível que consiga ser exaustiva. Ou seja, a revisão de literatura do projeto de pesquisa será, por definição, exploratória. A demonstração de que o pesquisador não deixou "escapar" nenhum trabalho relevante deverá ser feita, no devido tempo, pela Dissertação. Por melhor que seja a preparação do projeto de pesquisa, é inevitável que esta ou aquela referência só seja descoberta na fase posterior (e mais longa) de execução. Ao mesmo tempo, se uma contribuição científica muito importante sobre o tema específico da pesquisa não for incluída na revisão de literatura do projeto de pesquisa, é bem provável que a proposta venha a ser considerada "imatura" pelos relatores (ou pareceristas). Por isso, você estará correndo muito risco se construir o seu Projeto sobre o flácido alicerce de um levantamento bibliográfico precário, ou feito às pressas.

Prepare-se, portanto, para passar longos dias em bibliotecas especializadas e para correr atrás de pessoas bem informadas sobre o tema. Em princípio, o seu orientador indicará centros de documentação que precisarão ser rastreados, e pesquisadores, autoridades e outros agentes que precisarão ser entrevistados. Se você subestimar a importância destas tarefas, seu trabalho exploratório será muito parcial e você pagará um alto preço nas fases posteriores da investigação. Pode ser muito desagradável descobrir, tarde demais, um documento que sugere algum tipo de inconsistência na formulação do projeto. Bem melhor é se prevenir.
4. A formulação do problema

Um problema bem formulado é mais importante para o desenvolvimento da ciência do que sua eventual solução. Mesmo que não solucione, uma investigação pode ter um grande mérito se abrir, ou pavimentar, um caminho. Muitas outras pesquisas o trilharão até que o "mistério" seja desfeito, gerando novas interrogações. "É precisamente este sentido do problema - diz Bachelard - que dá a marca do verdadeiro espírito científico".

"Enquanto o assunto permanecer assunto, não se iniciou a investigação propriamente dita. O assunto escolhido será questionado, portanto, pela mente do pesquisador, que o transformará em problema, mediante seu esforço de reflexão, sua curiosidade ou talvez seu gênio." (Cervo & Bervian,1974:77)

Conseguir uma boa formulação do problema exige um grande esforço para espantar ambiguidades. E, quando o problema estiver claro para o pesquisador - isto é, suficientemente amadurecido pelo estudo da produção científica pertinente - é quase certo que poderá ser formulado como simples pergunta. "A colocação interrogativa tem a virtude de formular o problema de maneira direta". (Marinho,1980:28)

Se o pesquisador não consegue formular o problema central da pesquisa por meio de uma pergunta bem direta, o mais provável é que ele tenha feito uma insuficiente discussão da produção científica já existente sobre aquele assunto. Ou seja, quando o conhecimento acumulado sobre o tema selecionado não foi suficientemente digerido, vários problemas se superpõem na mente do pesquisador, e suas tentativas de definir "o" problema resultam em proposições herméticas, intrincadas, nebulosas, e, até, bizantinas.

Você só poderá formular a pergunta da pesquisa se fizer uma boa revisão de literatura, refletir, discutir com o orientador, reler parte do material, esboçar algumas perguntas, submetê-las ao orientador, descartar as menos pertinentes, reformular as outras, voltar a discutí-las, e assim por diante, até se fixar numa frase interrogativa que sintetize bem o problema da pesquisa.
5. A(s) hipótese(s)

"Hipótese é sempre uma conjectura inteligente, em relação a um problema, numa tentativa de explicação satisfatória dos fenômenos envolvidos. Como norma, as hipóteses buscam oferecer explicações gerais de relação ou de causalidade, pelas quais os fenômenos se comportam de determinada maneira." (Marinho,1980:29)
"Em termos gerais, a hipótese consiste em supor conhecida a verdade ou explicação que se busca. Em linguagem científica, a hipótese equivale, habitualmente, à suposição verossímel, depois comprovável ou denegável pelos fatos, os quais hão de decidir, em última instância, sobre a verdade ou falsidade dos fatos que se pretende explicar. A hipótese é a suposição de uma causa ou de uma lei destinada a explicar provisoriamente um fenômeno até que os fatos a venham contradizer ou afirmar." (Cervo & Bervian,1974:29)

Dito de forma mais simples e direta, a hipótese da pesquisa é uma resposta provisória à pergunta que sintetizou o problema.

Se a pergunta da pesquisa fosse, por exemplo, "Qual a atividade econômica que mais tem contribuído para a degradação da mata ripária no Estado de São Paulo", a hipótese poderia ser, por exemplo, "A agricultura, visto que..(razões)". A pesquisa visará justamente procurar as evidências que permitam a confirmação, ou não, dessa hipótese (resposta provisória). Caso as evidências colhidas no processo investigativo não confirmem essa hipótese, elas certamente trarão, por si mesmas, uma nova hipótese. Aconteceu exatamente isto com a primeira dissertação de mestrado defendida no PROCAM. A hipótese inicial (agricultura) não foi confirmada pelas evidências colhidas. Na região estudada, a exploração da areia na beira rio tem sido muito mais devastadora que qualquer outra atividade. Esta conclusão da pesquisa não responde inteiramente à interrogação sobre os fatores que têm gerado a degradação da mata ripária em todo o Estado de São Paulo. Mas fornece uma boa hipótese para outras pesquisas. A investigação abriu um caminho que não havia sequer sido cogitado pela pesquisadora, e por seu orientador, na fase exploratória de elaboração do projeto de pesquisa. O trabalho foi frutífero porque o problema (pergunta) e a hipótese (resposta provisória) haviam sido formulados sem rodeios e ambiguidades. A hipótese funciona como uma verdadeira bússola. É ela que ajuda o pesquisador a sair dos inúmeros labirintos em que infalivelmente se mete.
6. Outros

Quando você tiver formulado sua hipótese, depois de percorrer as três etapas anteriores (delimitação do tema, revisão de literatura e formulação do problema) os outros seis ingredientes básicos necessários à redação do projeto de pesquisa certamente fluirão com mais facilidade. Ficará mais simples tomar uma boa decisão sobre o título, definir objetivos e justificá-los. Também não dará muito trabalho descrever os procedimentos previstos na procura das evidências que possam confirmar, ou não confirmar, a hipótese. E o planejamento desses procedimentos em etapas de trabalho, com os períodos de execução, também não esbarrarão em dificuldades significativas.

É necessário, entretanto, advertir para a necessária coerência que deve existir entre hipótese, procedimentos e cronograma. Os relatores (ou pareceristas) darão muita importância a este aspecto. Será que os procedimentos descritos permitirão, de fato, testar aquela hipótese? Será que tais procedimentos poderão, de fato, ser concluídos nos prazos indicados? Há, evidentemente, uma dose admissível de incerteza. Mas os relatores serão pesquisadores experientes que não terão dificuldade em perceber incongruências metodológicas ou "chutes" sobre prazos.

De resto, o projeto de pesquisa deve respeitar certas normas sobre título, linguagem, citações, notas de rodapé, tradução, tabelas, gráficos, notações convencionais, referências bibliográficas. Tais normas são idênticas às que vigoram para a redação da própria Dissertação (e dos trabalhos científicos em geral). Esclarecimentos muito úteis sobre essas normas podem ser encontrados em diversas publicações, como, por exemplo, a de Vieira (1991).

Finalmente, é preciso enfatizar que transformar um plano de trabalho em projeto de pesquisa científica nunca é uma tarefa leve, mesmo para pesquisadores experimentados, que já não precisam de orientação (doutores). E pode ser bem pesada para quem enfrenta o desafio pela primeira vez, como talvez seja seu caso. Por isso, é bom assumir desde já que seu Projeto só ficará bom se seu trabalho exploratório for bem feito. E esse trabalho só será bem feito se você cultivar muita curiosidade intelectual, entusiasmo, independência mental, capacidade de trabalho e ambição. (Vieira,1990:74)
BOA SORTE !

Indicações bibliográficas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1978) Normas ABNT sobre documentação; referências bibliográficas - NB-66, Rio de Janeiro, s.ed.

BECKER, Howard S. (1986) Writing for Social Scientists. How to Start and Finish Your Thesis, Book, or Article. The University of Chicago Press

CASTRO, Cláudio de Moura (1976) Estrutura e apresentação de publicações científicas, ed. McGraw-Hill

_______________________ (1977) A prática da pesquisa, ed. McGraw-Hill

CERVO, Amado Luiz & Pedro Alcino Bervian (1974) Metodologia Científica, ed. McGraw-Hill, 3ª edição: 1983

ECCO, Umberto (1983) Como se faz uma tese, ed.Perspectiva

FERRARI, Alfonso Trujillo (1982) Metodologia da pesquisa científica, ed. McGraw-Hill

FIGUEIREDO, Laura Maia & Lélia Galvão Caldas da Cunha (1967) Curso de bibliografia geral, ed. Record

GEWANDSZNAJDER, F. (1989) O que é método científico, ed.Pioneira

HOUAISS, Antônio (1967) Elementos de bibliografia, Instituto Nacional do Livro

LAKATOS, E.M. & M.A.Marconi (1986) Metodologia do trabalho científico, ed.Atlas

MARINHO, Pedro (1980) A Pesquisa em Ciências Humanas, ed. Vozes

REY, L. (1987) Planejar e redigir trabalhos científicos, ed. Edgar Blucher

RUDIO, Franz Victor (1978) Introdução ao projeto de pesquisa científica, ed. Vozes

RUIZ, João Álvaro (1986) (2ª ed.) Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos, ed.Atlas

SEVERINO, Antonio Joaquim (1983) Metodologia do trabalho científico, Cortez & Moraes Editora

VIEIRA, Sonia (1991) Como Escrever uma Tese, ed. Pioneira

[1] Versão ligeiramente modificada do texto “Como transformar seu plano de trabalho em projeto de pesquisa”

[2] Conforme a "Proposta para redução dos prazos de titulação na pós-graduação strictu sensu", (Texto para discussão elaborado pela Pró-reitoria de Pós-Graduação, s/d)

[3] O prazo de 30 meses é uma meta importante para o PROCAM e tende a se tornar uma exigência geral na USP.

[4] (a) Em vez de dez, podem ser enumerados uns vinte. Basta, que se desagregue o ítem "descrição dos procedimentos" (e se inclua "orçamento", "anexos", etc). Por exemplo, no caso de pesquisa experimental, costuma-se desagregar a descrição dos procedimentos em: definição operacional das variáveis, indicação das variáveis de controle, descrição da população, método de amostragem, indicação do instrumento e como será aplicado na coletada de dados, constituição ou não de grupo de controle; como serão conduzidos a coleta e o registro das informações a serem colhidas; etc. Considerando-se, entretanto, a variedade das áreas temáticas cobertas pelo que estamos entendendo por "Ciência Ambiental", o eventual detalhamento na descrição dos procedimentos dependerá, sobretudo, do problema e da(s) hipótese(s).

(b) A ordem em que aparecem nossos dez ingredientes é a ordem lógica em que devem aparecer no projeto. Mas o processo de reflexão sobre ele não está preso a essa ordem. Por isso, este texto segue, primeiro, o encadeamento mais comum do processo de concepção para, depois, incluir observações sobre os elementos necessários à exposição.

[5] "C'est précisément ce sens du problème qui donne la marque du véritable esprit scientifique". Gaston BACHELARD, La formation de l'esprit scientifique, p.14, apud Cervo & Bervian (1974:77)

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